Ontem senti o terremoto.
E como sói acontecer no limiar das transformações
(quando o mundo está prestes a se tornar novo e assustador)
não tomei sentido do fato.
Ao contrário, imaginei que um dos gatos havia deslizado
por baixo e para dentro do sofá, e agora o sacudia,
e ao meu corpo, ali deitado em lânguida tristeza.
Haveria de ser um gato improvável a caber debaixo do sofá,
raro como o terremoto (o primeiro em muito tempo a
estremecer este lado do mundo.)
Mas inventei o gato, elástico o bastante para esgueirar-se por baixo,
e forte para balançar o sofá e o peso de meu corpo.
Não me dei conta da terra trepidante
a sacudir o resto de mim,
juntando meus pedaços na cadência
do pulsar de meu doído coração.
O terremoto já me habitava antes mesmo de se materializar
em gatos e sofás, e em minha alma trêmula,
da luta por se encaixar em corpo pequeno para ela.
Lá fora, o tremor me devolveu aos meus sentidos
por que morrer agora se o fim já está por perto?
Se a morte é minha única certeza,
hei de viver pelo que se me der
em um mundo que se tornou novo e assustador.
Ontem, quando senti o terremoto
as camadas de terra a se acomodar em seus vazios,
a terra, sangrada de seus óleos, repousando exausta,
dentro, minha alma, sintética e fluida,
renunciou à luta, cresceu maior e mais leve,
entrou em ritmo com a respiração da Terra.
Texto e imagens ©Malu Baumgarten - todos os direitos reservados à autora
Words and photography ©Malu Baumgarten - all rights reserved
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